Pietro Erber, do INEE: Mercado de Etanol e Política Energética

A extraordinária queda das cotações internacionais do petróleo levou à redução dos preços da gasolina, enquanto as crises, sanitária e econômica, causavam forte diminuição da demanda por combustíveis, principalmente daqueles utilizados em veículos leves. O impacto negativo desses fatores sobre o consumo de etanol tem sido significativo, pela baixa competitividade de seu preço frente ao da gasolina e pela diminuição dos transportes, sobretudo os urbanos.

Em 2019 o consumo de etanol foi de 32,8 bilhões de litros, dos quais 10,3 bilhões anidro, misturado à gasolina, cujo consumo foi de 38,2 bilhões de litros. Portanto, abstraindo o óleo diesel usado em pequeno número de veículos leves, o etanol constituiu 41% do consumo desses veículos, tendo em conta os respectivos conteúdos energéticos. Já em abril de 2020 o consumo de etanol sofreu uma redução de 49% e o de gasolina, de 35%. Além da perda de mercado, o etanol enfrenta um problema estrutural grave, que é a impossibilidade de armazenar o excesso de produção, por insuficiência de tancagem disponível.

O setor sucroalcooleiro é fortemente afetado, do lado energético, pela concorrência da gasolina com o etanol e, do lado alimentar, pelos preços do açúcar, caracterizados por sua elevada volatilidade. Consequentemente, embora fisicamente etanol e açúcar sejam produtos complementares, nem sempre o mercado desfavorável de um é compensado pela situação do outro. E, ao contrário do que é propalado, a flexibilidade da maioria das usinas sucroalcooleiras para destinar sua matéria prima para produzir cada um desses produtos é limitada.

Para aliviar a precariedade da situação do setor alcooleiro há duas alternativas principais e evidentes. Uma, aumentar a proporção de etanol anidro na gasolina, que esbarraria na viabilidade de sua utilização pela fração da frota não equipada com motores flex, além da menor eficiência energética decorrente do uso de mais etanol em motores que não aproveitam suas vantagens como aqueles projetados para essa finalidade. A outra, pleiteada pelo setor sucroalcooleiro, de aumentar a CIDE que incide no preço da gasolina, foi rejeitada pelo governo.

Perdeu-se assim a oportunidade de restabelecer uma relação de preços que melhor represente os poderes energéticos desses dois combustíveis e, mais do que isto, voltar à agenda do Acordo de Paris que, sobretudo nesse período de pandemia e calamidade mundial, tem sido deixada em segundo plano, senão esquecida, embora as concentrações de gases de efeito estufa continuem a aumentar.

O aumento dos preços finais da gasolina não só beneficiariam a competitividade do etanol e aumentariam a disponibilidade de recursos públicos, mas indicariam a desejável e já tardia preocupação do governo com a deterioração climática, mediante a cobrança, junto ao preço final da gasolina, de uma taxa que poderia refletir o custo sócio-ambiental decorrente do uso de combustíveis fósseis.

Na nova década a sociedade certamente terá de enfrentar, nos processos decisórios, o reconhecimento e a incorporação de custos das externalidades associadas às suas escolhas e práticas, no tocante às cadeias de suprimento nos processos produtivos, aos custos de incorporar novas tecnologias que marginalizem parte da mão de obra e sobretudo àquelas atividades cujos níveis de emissões sejam particularmente elevados. Neste aspecto, cabe destacar que, para limitar o aquecimento global, será necessário zerar as emissões globais líquidas, ainda que a médio prazo..

A recusa de proporcionar condição mais competitiva a uma fonte renovável, frente a uma não renovável e bem mais poluente, poderá ter tido razões que me escapam. No entanto, o episódio ilustra bem uma política energética divorciada dos compromissos ambientais assumidos pelo país. Torna-se ocioso e mesmo enganoso propalar empenho numa necessária transição energética para nova matriz de baixo carbono, se não se aproveitam oportunidades que, mesmo que não sejam de expressão transcendental, contribuam para que o país se mova na direção desejada. Sairemos da crise atual valorizando novos caminhos que conduzam a soluções criativas e abrangentes, tendo o setor energético como elemento essencial.

Em conclusão, a política energética, deve levar em conta que a diferença entre fontes renováveis e fósseis não se limita aos respectivos custos diretos, ou a preços de mercado que não reflitam, minimamente, suas externalidades. A compatibilidade da política energética com os requisitos ambientais de sustentabilidade da economia e do bem estar social é fundamental para que o país assuma o papel que a sociedade e a comunidade internacional esperam dele.

Pietro Erber é diretor do INEE
01/07/2020


[Fonte: INEE]


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